A genética do vício
A ciência pesquisa já alguns anos como as informações genéticas se relacionam com o desencadeamento de doenças ao longo da vida de um ser humano. Seara na qual drogas e álcool despertam o interesse da comunidade científica para entender as possíveis razões que levam pessoas à dependência química em determinadas substâncias. Estudos já apresentados em congressos internacionais, como o da Associação Americana de Psiquiatria (APA), indicam que a ciência está próxima de isolar o gene da dependência química e isto significa analisar uma seqüência do DNA em separado de todo o genoma humano. Obviamente, quando a localização do gene acontecer e for divulgada reacenderá uma vez mais o debate ético sobre a manipulação da genética humana para prevenir doenças.
E, certamente, um dos pontos em debate trata da retirada do gene da dependência química do DNA de uma criança, antes mesmo dela nascer, para que a compulsão por drogas ou álcool não ecloda em algum momento de sua vida. Independente de pós e contras a prática, a discussão precisa ser alinhada a outro aspecto, tão importante quanto, que trata da função dessa genética do vício no ser humano. Estima-se, até o momento, que a genética seria o fator preponderante para a maioria dos casos, pois o gene seria responsável por 50 a 60% de uma situação clínica entendia como dependência química e compulsão. E, assim, compartilha com fatores sociais, familiares e psicológicos as possíveis causas que desencadeiam compulsões e dependência de drogas ou álcool.
Outro ponto é que apesar da dependência química estar atrelada à questão genética, não é verdadeiro afirmar que a doença será hereditária. Ou seja, um dependente químico pode ser o primeiro de toda sua linhagem a apresentar a compulsão por drogas ou álcool. E, portanto, não se pode responsabilizar por questões genéticas e hereditárias um pai ou uma mãe, ou ambos, pela dependência química dos filhos. Mas a grande questão que o debate sobre o gene da dependência química conduz está diretamente ligada a capacidade de uma pessoa ter “tolerância” para algo. Uma “tolerância” estritamente relacionada ao uso de algo como subterfúgio para que a pessoa se sinta melhor e acredite ter encontrado aquilo que todos buscam, uma vida feliz e satisfatória.
Quando se entende que a dependência química pode ser determinada genética, também se compreende as razões pelas quais um indivíduo pode, por uma vida inteira, abusar do consumo de álcool ou drogas. Isto porque a pessoa terá como verdade a falsa sensação dos “benefícios” do uso da substância química. Por exemplo, a pessoa pode se sentir melhor, mais eufórica, com uma memória mais ágil e rápida e obtém alta performance no trabalho. Tudo isto sem os efeitos colaterais que levam muitos a passarem mal pelo contato com álcool e drogas. O gene da dependência química se insere na idéia da responsabilidade da genética que faz alguém “gostar” de determinada substância e continuar a usá-la até o momento em que não houver mais volta.
Quando, por exemplo, o alcoolismo surge como doença a pessoa começa a perceber os efeitos colaterais da bebida. E, o pior, o gene que determina a dependência química continua ativo e o indivíduo se enxerga em meio a problemas moldados numa suposta “tolerância” ao álcool. Poder-se-ia até dizer que o indivíduo seja responsável por apresentar um quadro de dependência química, mas jamais esse pensamento deve coibir uma pessoa a procurar pelo devido tratamento clínico. Ela deve sim enfrentar a situação, com apoio familiar e terapêutico, pois se não o fizer, morrerá.
Pela experiência clínica de mais de trinta anos, constato que muitos pacientes buscam por ajuda já afirmando que têm problemas com álcool e drogas, mas ainda não se descobriram como compulsivos.
Este é um cenário complexo que sempre se voltará para o papel da família como essencial para que a reabilitação seja bem-sucedida. A família tem, sim, a função de contribuir para que o paciente pare de beber ou consumir drogas. Uma família em que todas as pessoas estão acostumadas a beber e surge um caso de alcoolismo, que pode ser o primeiro da linhagem, deverá rever comportamentos em relação ao consumo e ao paciente.
O dependente químico necessita de um ambiente seguro e, se preciso for para o sucesso da reabilitação, pode escolher se afastar de determinadas vivências em família e lidar com as conseqüências deste processo. O paciente com dependência química precisa saber o que será melhor ao tratamento e, especialmente, para a própria vida. É um exercício de criatividade no qual se começa a ver possibilidades de escolhas. Criatividade necessária para que a pessoa desenvolva a capacidade de romper obstáculos.
Deixe uma resposta
Want to join the discussion?Feel free to contribute!