Busca por excelência de resultados pode levar executivos à dependência química
A exigência pelo melhor desempenho possível no ambiente do trabalho pode levar tanto executivos quanto funcionários a buscarem formas de se manterem estimulados para exercerem suas funções. Os caminhos escolhidos em boa parte dos casos podem levar ao uso de antidepressivos, psicotrópicos, ao abuso do álcool e outros tipos de prazeres de forma compensatória como jogos, compras e até mesmo exercícios físicos. A afirmação é do psiquiatra e psicoterapeuta Cirilo Tissot, médico com mais de trinta anos de experiência no tratamento de compulsões, dependência química e outros vícios.
O diretor da Clínica Greenwood revela nesta entrevista as conseqüências de um cenário altamente competitivo e de alta pressão, dentre outros fatores, que podem desencadear o vício. Também aborda a postura mais comum adotadas por empresas para lidar com o assunto quando estes problemas chegam ao âmbito corporativo e podem comprometer a eficiência do funcionário e os objetivos da empresa. Para Cirilo Tissot, é preciso pensar quais as condições de saúde e qualidade de vida que a pessoa tem no ambiente de trabalho as quais praticamente obrigam o funcionário a buscar por recursos para justamente trabalhar.
Quais os fatores do ambiente corporativo que propiciam ou contribuem para a dependência química?
Para abordar este assunto é preciso se atentar a um fato que muito ocorre na atualidade em todo o mundo, mas principalmente no Brasil. Há um excesso de valorização da identidade pessoal que se apresenta a uma sociedade na qual assuntos profissionais são extremamente relevantes. Algo que chega até ser da própria cultura do país. Um fenômeno cultural em que o nome da pessoa e a sua profissão constituem na sua identidade nas suas relações sociais. Este é um processo que se estende ao ambiente do trabalho porque será praticamente o único fator relevante nas relações de trabalho. Cenário que será percebido a partir de certos elementos como o nível de inserção do funcionário no ambiente corporativo, no ritmo em que desempenha suas funções e atividades, na disponibilidade em trabalhar sem a limitação de horários, entre outros fatores.
Qual é o momento em que o funcionário decide buscar por formas de melhorar o desempenho?
Se o trabalho se transforma num ambiente de insatisfação, o executivo busca por algo que o faça conseguir melhor desempenho, ter memória mais ativa, raciocínio mais ágil e rápido, bem como maior atenção. Este ambiente competitivo, em que o funcionário ou executivo precisa sempre demonstrar os melhores resultados, pode colocar uma pessoa numa contínua necessidade de melhorar a performance. O mundo do trabalho, mesmo com todas as possíveis frustrações, broncas, críticas e competitividade, deveria supostamente satisfazer o indivíduo, no sentido da utilidade, naquilo que ele exercesse. Isso é fundamental porque a pessoa precisa enxergar uma razão de ser no trabalho. Se ela não vê utilidade e nem sentido, o funcionário tem dificuldades em ter motivação para o que faz. Por acreditar que está falhando, não ver motivação no trabalho e nem na equipe com que trabalha, chega a pensar que está deprimido. Este é o momento que ela pode recorrer ao uso de drogas, álcool, antidepressivos ou mesmo abusar do álcool no App hour. Ainda, quando há um contexto no qual é preciso apresentar um desempenho de altíssimo nível, e isto não acaba sendo concretizado, o funcionário pode querer acelerar o ritmo de trabalho e melhorar seus resultados de alguma forma. É neste momento em que o indivíduo pode buscar por recursos que o auxilie na obtenção de resultados. No mínimo, esta suposta ajuda virá por meio de antidepressivos.
Quais as conseqüências da competividade para o executivo, como influencia o dia a dia?
A competitividade é positiva quando é um parâmetro para ver o quanto pode-se melhorar um trabalho tendo como comparação os resultados do colega ou concorrente. Agora, a competitividade será ruim quando, de alguma forma, o executivo não perceber as mesmas capacidades nele mesmo em comparativo com o colega de trabalho ou concorrente. Assim, apesar de ser tão bom quanto o outro, começa a se desvalorizar. O ponto é como a pessoa se sente e como o ambiente a faz se sentir assim. Outra questão é como a empresa pode melhorar o ambiente de trabalho e as relações internas com funcionários. Entende-se isto como a valorização da ética e todos os cuidados necessários com seus membros naquele ambiente. Um contexto de grande competividade é propício para se ter em mente que a performance individual ou coletiva está ligada a um nível de responsabilidade e estresse consideravelmente alto. Possivelmente, funcionários e executivos, ou até grupos de pessoas, estejam se utilizando de alguma válvula de escape para suportar o estresse e a pressão por resultados. É uma busca dogmática por disciplina e outros fatores que permitam executar todas as tarefas que se tem pela frente com o desempenho almejado. Uns poderão ter essa válvula de escape na prática de exercícios físicos, já outros utilizam drogas ou consomem álcool. É preciso esclarecer que isto não é uma doença em princípio, mas poderá se transformar em abuso e até desencadear a pré-disposição da convulsividade.
Mas o que, na prática, pode levar funcionários e executivos à dependência química?
É provável que um funcionário, por melhor que seja, busque por antidepressivos ao receber críticas pelo trabalho, sentir-se pressionado e inferiorizado em relação aos demais. A verdade é que as pessoas gostariam de ter uma espécie de pílula da felicidade para que se tivesse um ambiente de pura satisfação. E, quando se faz um trabalho bem feito que dá resultados, é inegável que o funcionário se sinta satisfeito no emprego. Ao mesmo tempo, num ambiente de alta performance, pode-se conquistar um resultado hoje, mas amanhã haverá novas metas a serem batidas. Esse cenário em si poderá ser terrível para algumas pessoas. Este contexto eleva a possibilidade de abuso das drogas, mesmo que sejam de medicações. Já a doença vício tem maior influência genética.
Portanto, é comum o uso de psicoativos no ambiente corporativo?
Sim, mas reforço que é preciso pensar quais as condições de saúde e qualidade de vida da pessoa no ambiente de trabalho as quais levam ao consumo de drogas para justamente trabalhar. Contexto piorado se empresas bastante competitivas, como indústrias, adotarem uma postura muito impeditiva e ter problemas de comunicação que geram mais estresses relacionais. Um executivo, que usa drogas para aumentar seu desempenho, poderá ser referência de trabalho enquanto apresentar bons resultados. Mas, quando seu rendimento for comprometido, o abuso de álcool e drogas, será visto como doença. Então, aquele que até ali era o modelo, não se vê como tal e os resultados que apresenta, bem como suas relações pessoais, começam a definhar. E isto pode ocorrer não apenas pelo uso de drogas. O contexto do trabalho pode estimular e facilitar o uso para que a pessoa aumente sua performance, mas a doença vício está mais relacionada às questões genéticas. É preciso deixar claro que o abusador se diferencia do viciado em si. O viciado tem uma pré-disposição genética, que é a compulsão, e não consegue controlar o uso das substâncias. Já o abusador pode receber uma advertência no trabalho, voltar atrás e maneirar o uso. O fato é que se a pessoa se sente insatisfeita na atividade profissional e não percebe sua utilidade ali, ela tende a buscar formas compensatórias para lidar com essa não qualificação.
Como se constata a eficiência dos psicoativos no trabalho?
Há estudos que colocam pessoas consideradas normais num ambiente de trabalho para desempenhar uma tarefa médio estressante. São feitos dois grupos. No primeiro, os cientistas deram placebo e, no outro, antidepressivo. Aqueles que tomaram antidepressivos ficaram menos estressados e desenvolveram as tarefas mais rapidamente em relação aos que não tomaram. Isto nos leva a concluir que, na verdade, medicações estão surgindo para fazer as pessoas ficarem cada vez mais eficientes no ambiente de trabalho. O que se relaciona com o entendimento de que todos querem ser eficientes e obter o máximo de alegria e prazer naquilo que exercem como obrigação. Na prática, seria como qualificar o estilo de vida de um dependente químico como sendo ideal para que pessoas trabalhem.
O senhor citou o workaholic, como este se enquadra no processo?
Para o workaholic, a atividade do trabalho tem um papel diferente das demais pessoas. A atividade é uma fonte de distração, de prazer. É, em si, mais importante que os objetivos finais do trabalho ou do sentido de utilidade que o determinado trabalho tem para o mundo e para as outras pessoas. Portanto, o workaholic é uma pessoa compulsiva que já nasceu com esta tendência. O workaholic é sempre tido como ídolo, referência, mas rejeitado porque ninguém deseja assumir a figura dele. Geralmente é visto como a pessoa que somente trabalha, mas não tem tempo para família e não sabe se relacionar com os outros. Se o workaholic for retirado do trabalho, imediatamente começa a beber, vicia-se na bebida. Se o álcool for retirado, isto pode ser transferido para a comida, ao jogo, às compras. A situação do workaholic, portanto, está relacionada a uma pré-disposição genética, que pode se diferenciar de outras situações a serem entendidas num contexto específico. Por exemplo, um funcionário quer trabalhar o quanto puder, mas ainda mantém relações sociais e familiares. Já o workaholic, não. Este praticamente dorme no emprego e fica angustiado se não estiver no ambiente no trabalho.
Como é possível identificar um dependente químico no mundo corporativo?
A dependência química é diagnosticada de duas formas, pelo grau de tolerância em relação à droga de escolha e a síndrome de abstinência quando de sua ausência. A tolerância é a capacidade do organismo se acomodar frente a uma exposição química freqüente. O efeito da droga fica menos intenso quanto mais a pessoa usa a substância. Na prática, a partir do momento em que o usuário desenvolve a tolerância, ele precisa aumentar a dosagem para obter aqueles mesmos efeitos que tinha no início da história de uso. No contexto corporativo, um sinal da tolerância seria quando um colega de trabalho faz mais uso de álcool nas saídas que anteriormente. Ele também poderia criar novos eventos, como happy hours e festas, para justificar o uso. Ou, ainda, utilizar o estresse do dia a dia como motivação. Já na síndrome de abstinência, pode-se perceber a inquietação da pessoa por não usar a droga de escolha. O aumento da ansiedade, da irritabilidade e da explosividade podem ser sinais da abstinência. As pessoas à sua volta têm uma sensação externa de que o usuário estaria incomodado com o ambiente e, logo, não deseja estar ali. Portanto, o comportamento de uma pessoa pode ser indício se ela faz uso de determinada medicação ou droga. Importante dizer que existem dois tipos de dependentes químicos, os que abusam das substâncias freqüentemente, ou seja, por hábito, e aqueles que desencadeiam uma pré-disposição genética para a compulsão.
Como a família se insere neste contexto?
A família se insere no contexto da dependência química quando um membro começa a apresentar determinados problemas. É inerente a esse tipo de situação que aquele indivíduo não se apresente tão competente quanto era nas suas atividades diárias. A pessoa, quando está viciada, começa a falhar com os compromissos sociais, familiares e de trabalho. Portanto, deixa de cumprir suas responsabilidades. A família, nesse momento, pode agir por amor e agir numa tentativa de compensar a fragilidade do seu membro. A partir de então, a família poderá apresentar um comportamento de super responsabilidade. Esse é um momento que o familiar traz para si funções que o dependente químico não consegue exercer plenamente. Isto gera uma situação chamada de coadição porque, na tentativa de ajudar a pessoa a cumprir obrigações, acaba por dar sustentações ao próprio vício.
Afinal, as empresas realmente se importam se os executivos se demonstram compulsivos ou dependentes químicos ou é apenas uma relação econômica?
Aparentemente se o executivo estiver produzindo resultados, a empresa pode não se importar e, digo mais, a sociedade pensa da mesma maneira e não deseja responsabilizar empresas pela situação do funcionário. Uma ocorrência em escolas poderia ser o exemplo quando o professor fez uso de álcool para dar aulas. Como ministra ótimas aulas, o consumo de álcool chega a ser tolerado pela comunidade escolar. A verdade é que há certo valor nisto e o valor é o da competição, de se chegar à o máximo da sua capacidade e da obtenção de resultados. Há, claro, as empresas que, por proximidade, se sensibilizam com a pessoa e vejo muitas organizações darem sustentação financeira para o tratamento do executivo. A empresa que se preocupa com a qualidade de vida no ambiente do trabalho tem menos chances de ter casos de dependência química porque oferece as condições para o funcionário se sentir satisfeito e útil. Um empregado, ao estar satisfeito e encontrar sentido de utilidade no que faz, não sente necessidade de buscar a satisfação em álcool, drogas ou antidepressivos. Mas, a empresa que agir friamente e não valorizar a afetividade no ambiente de trabalho terá mais tendências em ter funcionários insatisfeitos por não enxergarem um sentido de utilidade naquele local. Se a importância do empregado não é reconhecida, o funcionário tende a se sentir infeliz apesar de toda a sua competência.
Como as empresas devem se comportar para ajudar a prevenir ou tratar a dependência química?
Existem dois tipos de empresas. Algumas empresas percebem a dependência química como uma escolha individual do funcionário. Outras já perceberão a dependência química como uma ameaça à vida do funcionário a partir de uma escolha equivocada. O importante é que as empresas definam os valores envolvidos neste tema como norma de conduta e, ao mesmo tempo, estimulem um ambiente de trabalho saudável no qual os empregados consigam visualizar sua utilidade e se sentir valorizados. Devem também agir para prevenir ou solucionar eventuais conflitos. As empresas precisam sempre ter em mente que o funcionário necessitar enxergar um sentido nas funções que exerce, este é o ponto principal.
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