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Gazeta do Povo| Entender e tratar a dependência química

Por Cirilo Tissot

08/06/2024 08:00

 

A dependência química é uma condição física caracterizada pela tolerância ao uso de determinada substância, desenvolvendo a necessidade de aumentar a dose para se obter o mesmo efeito inicial. Conjuntamente, ao suspender o uso, observa-se o aparecimento de uma síndrome de abstinência, com características específicas à substância química utilizada. O protocolo para o diagnóstico deste tipo de dependência deriva da observação clínica dos sinais de tolerância e síndrome de abstinência.

 

De modo geral, há uma confusão com o termo, associando a dependência química como sinônimo de “vício”. Isso não é verdade. Pois ter vício, etimologicamente, significa ter falha ou defeito, sendo causado conscientemente pelo indivíduo. Há muitos anos, a Organização Mundial da Saúde qualificou o que se entendia por vício como doença física e psicoemocional, alterando a forma como a medicina deve lidar com as pessoas acometidas por essa doença.

 

Assim, o transtorno do uso de substâncias, modo atual de se designar a dependência química ou vício, possui origem multicausal. Este transtorno tem como base etiológica características genéticas, sociais e biológicas, causando confusão de entendimento nas pessoas, quando restringimos a origem do problema da compulsão somente à dependência física do corpo.

 

Como as pessoas vivem em núcleos familiares e de amigos, são estes que, inicialmente, conseguem perceber que algo está fora do que se pode considerar normal.

 

Os primeiros sinais para os quais os familiares devem ficar atentos são a perda do controle, caracterizada por faltar em compromissos assumidos; o aumento do gasto de energia e tempo para procurar, consumir e se recuperar do uso; a tendência ao isolamento, principalmente das atividades familiares; relatos de que irão diminuir o consumo sem sucesso; o aparecimento de problemas psicológicos e físicos causados pelo uso frequente ou intenso da droga, sem contrapartida positiva reparadora, aumentando o consumo; o estilo de vida pautado na satisfação dos próprios desejos e com mudança dos valores anteriormente praticados; a mudança na rede de amigos e, por fim, o afastamento de escolhas que possam trazer bem-estar por escolhas que tragam euforia ou alívio emocional.

 

A parte mais importante quando percebemos que um ente querido está precisando de ajuda é enfrentar o obstáculo do orgulho e o medo do estigma. Na família e da vítima da doença. De um lado, ter crítica do próprio descontrole significa admitir uma fragilidade em um momento em que todos estão pedindo por força de vontade. De outro, ter firmeza para não entrar em estado de negação sobre o que está acontecendo ou discriminar o familiar. Neste ponto, é muito importante, antes de iniciar uma conversa sobre o tema, que o familiar se informe sobre a dependência química para não ser vetor de preconceito.

 

Entender a doença significa não culpar o indivíduo por algo que ele não tem controle, mas apoiar a pedir ajuda especializada e a reparar escolhas malfeitas. Enfrentar o problema significa responsabilizar-se por suas atitudes, tentando mudar o que é possível e aceitando o que não pode ser modificado, naquele momento. Oferecer apoio para procurar ajuda é muito importante, mesmo que seja para marcar uma consulta, pelo indivíduo, para facilitar.

 

Se houver mais de uma pessoa preocupada, fazer uma intervenção conjunta propicia a procura por ajuda.

 

De qualquer forma, preparar um contexto para que possa haver uma conversa íntima, como convidar para um jantar em um restaurante, valoriza o que vai ser dito.

 

A melhor ajuda é aquela que está disponível, de imediato, pois é muito fácil a pessoa mudar de opinião, ao aceitar pedir ajuda. Mas a melhor opção é procurar profissional especializado em transtorno do uso de substâncias ou procurar ambulatórios especializados.

 

Isso deve ser levado em conta porque existe a tendência dos familiares procurarem clínicas ou comunidades terapêuticas com a ideia de que a internação seja a melhor escolha. A internação é uma indicação médica, como qualquer prescrição medicamentosa, não sendo considerada padrão ouro de reabilitação. A voluntariedade ao tratamento é sempre a melhor escolha.

 

A medicina baseada em evidências constatou que a responsabilidade maior no surgimento dos transtornos do uso de substâncias químicas é de origem genética, como uma predisposição ao uso arriscado, como se faltasse uma trava de segurança, que avisa o usuário sobre o momento de parar.

 

O fato de a genética ser muito importante, como um dos fatores causais do vício, não quer dizer que seja hereditário. Mas existe sim uma maior probabilidade do desenvolvimento de compulsão por drogas na criança que tem ambos os pais acometidos pelo problema.

 

Toda esta preocupação se justifica porque estamos vivendo um momento da sociedade onde os direitos individuais estão sendo mais valorizados do que os direitos da sociedade sobre o indivíduo. Quanto mais valorizamos a autonomia do indivíduo, mais nos deparamos com a sensação subjetiva de insegurança. A euforia e a anestesia produzida pelas drogas garantem a coragem para aventurar-se, rompendo as fronteiras que garantiriam a segurança. O hedonismo está na moda e com ele a insatisfação aumenta, junto com a sensação de vazio, por não haver mais uma conectividade com valores maiores da sociedade. Pôr o ego acima de tudo não reforça a identidade, apenas distorce a visão sobre o mundo e as formas de acesso para alguém se sentir feliz.

 

Cirilo Tissot, mestre em Psiquiatria e médico associado à Associação Brasileira de Estudos sobre Álcool e Drogas, é diretor da Audeamus.

https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/entender-tratar-dependencia-quimica/

BOL I O que define alguém viciado em sexo? 7 características apontam transtorno

Estatisticamente, para cada oito homens existe uma mulher compulsiva por sexo - YanLev/Getty Images/iStockphoto
Estatisticamente, para cada oito homens existe uma mulher compulsiva por sexo Imagem: YanLev/Getty Images/iStockphoto

A libido varia de pessoa para pessoa: umas são mais animadinhas para o sexo, outras menos e, sabendo equilibrar desejos e vontades, todo mundo consegue transar bem.

Quem é viciado em sexo – ou melhor, sofre de transtorno do comportamento sexual compulsivo – não tem controle sobre os próprios impulsos. O resultado é uma escalada de sofrimento e decadência física e moral muito bem representada em filmes como “Shame” (2012) e “Ninfomaníaca Vol. 1 e Vol 2” (2013).

 

Mas o que leva homens e mulheres a partirem nessa busca frenética que, em vez de prazer, só provoca angústia e causa problemas em todas as esferas da vida? A resposta está no cérebro.

A comparação de tomografias ou outros exames cerebrais dos viciados em sexo não vai mostrar qualquer diferença com as demais. O que acontece, em termos leigos, é que as pessoas com diagnóstico de transtorno de comportamento sexual compulsivo têm uma importante alteração nas funções cerebrais relacionadas ao prazer e à libido e no sistema de controle de impulsos.

O compulsivo por sexo tem os estímulos sensoriais muito mais agudos e frequentes. Trata-se de um desejo que, muitas vezes, é incapaz de medir riscos e torna a busca pelo sexo um ato incontrolável. Na medida em que o transtorno progride, o quadro pode ser comparado ao de viciados em drogas químicas, como a cocaína.

Do ponto de vista neurobiológico, isso está ligado a alterações no sistema de recompensa. A exposição crônica e repetitiva a situações sexuais faz com que o sistema de recompensa se torne muito dependente deste tipo de estímulo.

A área da recompensa no cérebro se situa bem na base do crânio e é chamada de Nucleus Accumbens. Nessa região há uma grande concentração de neurônios de neurotransmissão de dopamina (substância que promove sensação de bem-estar e prazer) e de opioides, que reforçam ainda mais o desejo por determinado estímulo.

Além disso, outra área do cérebro chamado amígdala é responsável por armazenar as memórias de cada estímulo, classificando-os como medo, amor, desejo sexual, prazer, etc. E a área frontal do cérebro tem neurônios de GABA, neurotransmissores ligados à calma e ao relaxamento, que vão até a área de recompensa e tentam frear o comportamento.

Assim, o comportamento sexual compulsivo pode ser compreendido como um estado de desregulação do sistema de recompensa em que o ponto de ajuste está patologicamente deslocado.

A dopamina é um neurotransmissor excitatório e inibitório, dependendo do local onde atua, apresenta diferentes funções. Portanto o desejo pelo sexo é impulsionado pela liberação de dopamina no cérebro, o que nos leva a ignorar os estímulos negativos, além de desencadear sentimentos de êxtase e excitação, podendo criar uma dependência poderosa.

O vício ocorre quando o impulso natural para o prazer sexual fica fora de equilíbrio e, em vez de simplesmente motivar, ele domina e controla. O sujeito sente-se dominado pela onda de prazer gerada pela dopamina e, por isso, se sente impulsionado a buscar mais sexo para se satisfazer.

O mecanismo que gera o prazer também é a base que explica como o vício pode se “instalar” no indivíduo. Isso inclui a adição por drogas, internet, videogame, jogos, compras e, claro, por sexo. Desde 1970 pesquisas sugerem que comportamentos apetitivos excessivos, incluindo os sexuais, podem, com o tempo e com altas taxas de engajamento, tornar-se uma síndrome de dependência, apesar da ausência de substâncias exógenas.

O que define o transtorno e como tratá-lo?

Existem critérios diagnósticos bem definidos a esse respeito e que seguem a mesma linha dos aplicados para os compulsivos por drogas, compras, jogos eletrônicos etc. Há sete características para análise e o diagnóstico do transtorno pode ser apontado se três ou mais desses pontos tiverem sido praticados nos últimos doze meses. São eles:

Tolerância: ocorre quando as pessoas se entregam às práticas sexuais cada vez mais intensas e frequentes para obter a mesma satisfação que tinham antes com menos sexo. Com o aumento do grau de tolerância para adquirir prazer, a pessoa precisa de muito mais parceiros hoje do que tinha no início do quadro da doença.

Abstinência: se a pessoa para de ter relações, começa a sentir um mal-estar físico e psicológico. Só o fato de tentar diminuir faz com tenha desconforto físico ou mental,

Tempo: no dia a dia, ações relacionadas a sexo – não propriamente a relação sexual em si – ocupam bastante tempo. Exemplos: masturbação, ver filmes pornográficos, buscar parceiros em aplicativos de encontros, etc.

Descontrole: ao perceber que enfrenta o problema a pessoa tenta controlar a situação, mas não consegue. Todas as vezes em que entra em contato com o processo acaba perdendo o controle, fica compulsiva, não consegue manter uma relação e ficar satisfeita. A compulsão é o fracasso na capacidade de satisfação da pessoa.

Sofrimento: mesmo sofrendo muito, o compulsivo não consegue parar.

Isolamento: a pessoa deixa de cumprir com compromissos sociais e até profissionais em função do sexo.

Histórico familiar: o contato sexual com adultos na infância, experiências sexuais prematuras e histórico de compulsivos na família por drogas químicas e álcool são pontos a serem considerados. Tais contextos podem levar a quadros de transtorno sexual, indicam estudos.

Em termos neurológicos, não existe diferença alguma entre os sexos biológicos. Por outro lado, estatisticamente, para cada oito homens existe uma mulher compulsiva por sexo. Essa diferença de notificações clínicas está relacionada ao contexto de nossa sociedade machista.

Uma mulher que perde o que se entende como limites para o sexo é muito mais censurada, desqualificada e objeto de comentários pejorativos do que um homem. Porém, ambos têm um grau de sofrimento muito semelhante.

A partir do momento em que a pessoa toma consciência de que o comportamento sexual excessivo começa a ocupar espaços e tempos de sua vida e atividades é imprescindível buscar ajuda.

A procura por um psiquiatra ou médico de confiança é fundamental, visto que algumas classes de medicamentos podem ter efeitos sobre o seu controle: antidepressivos, estabilizadores de humor, antiandrógenos, antagonistas opioides, entre outros.

Mais importante ainda é fazer sessões de psicoterapia, sendo que o modelo de psicoterapia com maior evidência de eficácia é a terapia cognitivo-comportamental.

Se o indivíduo consegue ficar mais de um ano sem comportamentos compulsivos, ele é considerado em remissão. Porém, como toda dependência, pode haver recaídas, portanto é necessário manter o tratamento medicamentoso e psicoterápico em longo prazo. Até o momento, não há cura, assim como para muitas das adições, mas o controle é possível.

Fontes: Cibele Fabichak, fisiologista autora do livro “Sexo, Amor, Endorfinas e Bobagens” (Matrix Editora); Cirilo Tissot, psiquiatra; Eduardo Perin, psiquiatra e terapeuta sexual; e Elaine Di Sarno, psicóloga especializada em Avaliação Psicológica e Neuropsicológica e em Terapia Cognitivo-Comportamental

*Com matéria publicada em 14/04/2020

https://www.bol.uol.com.br/entretenimento/2024/06/07/como-funciona-o-cerebro-do-viciado-em-sexo-7-caracteristicas-definem-veja.htm

UOLI O que define alguém viciado em sexo? 7 características apontam transtorno

A libido varia de pessoa para pessoa: umas são mais animadinhas para o sexo, outras menos e, sabendo equilibrar desejos e vontades, todo mundo consegue transar bem.

Quem é viciado em sexo – ou melhor, sofre de transtorno do comportamento sexual compulsivo – não tem controle sobre os próprios impulsos. O resultado é uma escalada de sofrimento e decadência física e moral muito bem representada em filmes como “Shame” (2012) e “Ninfomaníaca Vol. 1 e Vol 2” (2013).

Mas o que leva homens e mulheres a partirem nessa busca frenética que, em vez de prazer, só provoca angústia e causa problemas em todas as esferas da vida? A resposta está no cérebro.

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A dopamina é um neurotransmissor excitatório e inibitório, dependendo do local onde atua, apresenta diferentes funções. Portanto o desejo pelo sexo é impulsionado pela liberação de dopamina no cérebro, o que nos leva a ignorar os estímulos negativos, além de desencadear sentimentos de êxtase e excitação, podendo criar uma dependência poderosa.

O vício ocorre quando o impulso natural para o prazer sexual fica fora de equilíbrio e, em vez de simplesmente motivar, ele domina e controla. O sujeito sente-se dominado pela onda de prazer gerada pela dopamina e, por isso, se sente impulsionado a buscar mais sexo para se satisfazer.

O mecanismo que gera o prazer também é a base que explica como o vício pode se “instalar” no indivíduo. Isso inclui a adição por drogas, internet, videogame, jogos, compras e, claro, por sexo. Desde 1970 pesquisas sugerem que comportamentos apetitivos excessivos, incluindo os sexuais, podem, com o tempo e com altas taxas de engajamento, tornar-se uma síndrome de dependência, apesar da ausência de substâncias exógenas.

O que define o transtorno e como tratá-lo?

Existem critérios diagnósticos bem definidos a esse respeito e que seguem a mesma linha dos aplicados para os compulsivos por drogas, compras, jogos eletrônicos etc. Há sete características para análise e o diagnóstico do transtorno pode ser apontado se três ou mais desses pontos tiverem sido praticados nos últimos doze meses. São eles:

Tolerância: ocorre quando as pessoas se entregam às práticas sexuais cada vez mais intensas e frequentes para obter a mesma satisfação que tinham antes com menos sexo. Com o aumento do grau de tolerância para adquirir prazer, a pessoa precisa de muito mais parceiros hoje do que tinha no início do quadro da doença.

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Abstinência: se a pessoa para de ter relações, começa a sentir um mal-estar físico e psicológico. Só o fato de tentar diminuir faz com tenha desconforto físico ou mental,

Tempo: no dia a dia, ações relacionadas a sexo – não propriamente a relação sexual em si – ocupam bastante tempo. Exemplos: masturbação, ver filmes pornográficos, buscar parceiros em aplicativos de encontros, etc.

Descontrole: ao perceber que enfrenta o problema a pessoa tenta controlar a situação, mas não consegue. Todas as vezes em que entra em contato com o processo acaba perdendo o controle, fica compulsiva, não consegue manter uma relação e ficar satisfeita. A compulsão é o fracasso na capacidade de satisfação da pessoa.

Sofrimento: mesmo sofrendo muito, o compulsivo não consegue parar.

Isolamento: a pessoa deixa de cumprir com compromissos sociais e até profissionais em função do sexo.

Histórico familiar: o contato sexual com adultos na infância, experiências sexuais prematuras e histórico de compulsivos na família por drogas químicas e álcool são pontos a serem considerados. Tais contextos podem levar a quadros de transtorno sexual, indicam estudos.

Em termos neurológicos, não existe diferença alguma entre os sexos biológicos. Por outro lado, estatisticamente, para cada oito homens existe uma mulher compulsiva por sexo. Essa diferença de notificações clínicas está relacionada ao contexto de nossa sociedade machista.

Uma mulher que perde o que se entende como limites para o sexo é muito mais censurada, desqualificada e objeto de comentários pejorativos do que um homem. Porém, ambos têm um grau de sofrimento muito semelhante.

A partir do momento em que a pessoa toma consciência de que o comportamento sexual excessivo começa a ocupar espaços e tempos de sua vida e atividades é imprescindível buscar ajuda.

A procura por um psiquiatra ou médico de confiança é fundamental, visto que algumas classes de medicamentos podem ter efeitos sobre o seu controle: antidepressivos, estabilizadores de humor, antiandrógenos, antagonistas opioides, entre outros.

Mais importante ainda é fazer sessões de psicoterapia, sendo que o modelo de psicoterapia com maior evidência de eficácia é a terapia cognitivo-comportamental.

Se o indivíduo consegue ficar mais de um ano sem comportamentos compulsivos, ele é considerado em remissão. Porém, como toda dependência, pode haver recaídas, portanto é necessário manter o tratamento medicamentoso e psicoterápico em longo prazo. Até o momento, não há cura, assim como para muitas das adições, mas o controle é possível.

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Fontes: Cibele Fabichak, fisiologista autora do livro “Sexo, Amor, Endorfinas e Bobagens” (Matrix Editora); Cirilo Tissot, psiquiatra; Eduardo Perin, psiquiatra e terapeuta sexual; e Elaine Di Sarno, psicóloga especializada em Avaliação Psicológica e Neuropsicológica e em Terapia Cognitivo-Comportamental

*Com matéria publicada em 14/04/2020

https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2024/06/07/como-funciona-o-cerebro-do-viciado-em-sexo-7-caracteristicas-definem-veja.htm

Plenae| Como reconhecer e ajudar uma pessoa com dependência química?

A dependência química é uma doença e, portanto, possui tratamento. Mas reconhecer o problema é o primeiro passo a ser dado nessa situação.

15 de Dezembro de 2023

No quinto episódio da décima quarta temporada do Podcast Plenae, nos emocionamos com a história de Regis Adriano, um ex-usuário de drogas. Seu vício começou como o de todos: mascarado de usos pontuais. Para ele, o que era apenas uma provocação e rebeldia juvenil, se tornou um problema que mudou o curso de sua vida para sempre e o expôs a violências e situações degradantes, como morar na rua e perder o contato com a sua família.

O skatista e hoje também escritor não sabia que carregava em seu corpo uma predisposição genética ao vício, condição que o condenaria já na primeira tragada. Não há mesmo como saber se você também possui essa tendência – e é aí que mora o perigo.

Mas, há como identificar os primeiros sinais da dependência química ainda no começo e agir rapidamente. Isso vale para aqueles que identificam em si ou nos seus familiares e amigos. Afinal, essa é uma doença que acomete não só o indivíduo, mas faz sofrer todos ao seu redor. Vamos entender um pouco mais sobre esse assunto tão difícil e necessário?

O que é a dependência química?

“A dependência química é uma condição física caracterizada por tolerância ao uso de determinada substância química, desenvolvendo a necessidade do aumento da dose para obter o mesmo efeito inicial”, explica Cirilo Tissot, diretor da clínica especializada em compulsões Audeamus, médico associado Associação Brasileira de Estudos Sobre Álcool e Drogas e Mestre em psiquiatria pelo IPq-USP.

A dependência química é reconhecida como uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e consiste, principalmente, na necessidade compulsiva e incontrolável de usar uma substância psicoativa, mesmo que isso cause prejuízos físicos, psicológicos e sociais.

Quando há a suspensão do uso dessa substância, um outro fenômeno se instala: a síndrome de abstinência, que gera sintomas físicos com características específicas de acordo com a substância química utilizada pelo indivíduo. E ela que dificulta tanto a recuperação desse sujeito, pois trata-se de uma resposta violenta do corpo diante da ausência daquele composto químico e seus estímulos, que estava habituado a receber.

“A medicina baseada em evidências constatou que a responsabilidade maior no surgimento dos transtornos do uso é de origem genética, uma predisposição ao uso arriscado. É como se faltasse uma trava de segurança que avisa o usuário sobre o momento de parar. Porém, o fato de ser a genética muito importante, como um dos fatores causais do vício, não quer dizer que seja hereditário. Existe uma maior probabilidade do desenvolvimento de compulsão por drogas, a criança que tem ambos os pais acometidos pelo problema”, explica Cirilo.

“Os protocolos de diagnóstico geralmente envolvem uma equipe multidisciplinar entre psiquiatras e psicólogos que avaliarão critérios específicos, como a presença de sintomas de abstinência, aumento da tolerância à substância, perda de controle sobre o uso e persistência do uso mesmo com consequências negativas”, explica Rosângela Casseano, Psicóloga, Terapeuta Cognitivo Comportamental.

Esse é um problema real, com números alarmantes, vale dizer. Segundo artigo do portal Senado, o Relatório Mundial sobre Drogas 2022, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), mostra que cerca de 284 milhões de pessoas — na faixa etária entre 15 e 64 anos — usaram drogas em 2020, 26% a mais do que dez anos antes.

No Brasil, o cenário não é muito melhor. De acordo com o Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS), em 2021, registrou 400,3 mil atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas e álcool. A maior parte dos pacientes é do sexo masculino com idade de 25 a 29 anos.

Os primeiros sinais

Mas então, como reconhecer se estou começando a ficar dependente ou se conheço alguém que esteja? Ao Plenae, Cirilo ainda traz alguns pontos de alerta importantes:

  • Perda do controle caracterizado por faltar em compromissos assumidos;
  • Aumento do gasto de energia e tempo para procurar, consumir e se recuperar do uso;
  • Tendência ao isolamento, principalmente das atividades familiares;
  • Relatar que irá diminuir o consumo sem sucesso;
  • Aparecimento de problemas psicológicos e físicos causados pelo uso frequente ou intenso da droga, sem contrapartida positiva reparadora, aumentando o consumo;
  • Estilo de vida pautado na satisfação dos próprios desejos e com mudança dos valores anteriormente praticados;
  • Mudança na rede de amigos
  • Afastamento de escolhas que possam trazer bem estar por escolhas que tragam euforia ou alívio emocional.

O médico do trabalho Gustavo de Almeida explicou no mesmo artigo do Senado que o diagnóstico e a gravidade do transtorno por dependência são avaliados dentro de quatro categorias.

  • Controle prejudicado quanto ao uso (uso contínuo apesar do desejo de parar);
  • Prejuízo social (descumprimento de obrigações relativas ao seu papel no trabalho, na escola ou em casa);
  • Exposição ao fator de risco (direção de automóvel sob uso de substância, por exemplo); e
  • Sintomas farmacológicos (abstinência, por exemplo).

 

“A parte mais importante, quando percebemos que um ente querido está precisando de ajuda é o obstáculo do orgulho e o medo do estigma. Reconhecer o próprio descontrole significa admitir uma fragilidade em um momento onde todos estão pedindo por força de vontade”, pontua Cirilo.

Como ajudar um dependente químico?

Para ele, um passo inicial e fundamental antes de iniciar uma conversa sobre o tema é a informação que o familiar deve buscar sobre o tema para não ser vetor de preconceito. “Entender a doença significa não culpar o indivíduo de algo que ele não tem controle, mas ajudar a pedir ajuda especializada e a reparar escolhas mal feitas”, explica.

Além disso, enfrentar o problema exigirá que o indivíduo se responsabilize por suas atitudes, tentando mudar o que é possível e aceitando o que não pode ser modificado naquele momento. Esse, inclusive, foi o caminho mais efetivo trilhado por Regis: após tantas internações sem sucesso, foi em um CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial) e a ajuda de um psicólogo que ele conseguiu reconhecer o seu papel nesta jornada e resgatar inclusive o tão necessário amor próprio.

“Oferecer apoio para procurar ajuda é muito importante, nem que seja para marcar uma consulta pelo indivíduo, só para facilitar. Se houver mais do que uma pessoa preocupada, fazer uma intervenção conjunta propicia a procura por ajuda. De qualquer forma, preparar um contexto para que possa haver uma conversa íntima, como convidar para um jantar em um restaurante, valoriza o que vai ser dito”, diz.

Rosângela concorda. “É importante abordar o assunto de forma cuidadosa e compassiva. É recomendado escolher um momento adequado e um ambiente tranquilo para iniciar a conversa, demonstrando preocupação e oferecendo apoio. De suma importância evitar julgamentos e oferecer opções de ajuda, como o acompanhamento de um profissional de saúde especializado e muita paciência”.

A melhor ajuda, como fortalece Cirilo, é aquela que está disponível de imediato, de forma que não haja tempo para que a pessoa possa desistir e mudar de opinião ao aceitar pedir ajuda. Isso inclui, claro, a procura por um profissional especializado em transtorno do uso de substâncias ou ambulatórios especializados.

Mas, existe a tendência dos familiares procurarem clínicas ou comunidades terapêuticas com a falsa ideia de que a internação seja a melhor escolha – e esse não foi o caso de Régis, como te contamos anteriormente. “A internação é uma indicação médica, como qualquer prescrição medicamentosa, não sendo considerado padrão ouro de reabilitação. A voluntariedade ao tratamento é sempre a melhor escolha”, reforça o médico.

Por fim, um passo importante nesse acolhimento é justamente o reconhecimento. “A dependência química não é uma questão de fraqueza moral ou falta de vontade. É uma condição médica que requer compreensão, apoio e tratamento adequado. É importante que os dependentes químicos sejam vistos como indivíduos que precisam de ajuda e não como pessoas moralmente inferiores”, conclui Rosângela.

Esse estigma em torno da dependência química, afinal, em nada contribui e é mais uma violência submetida ao dependente, podendo dificultar o acesso ao tratamento e a recuperação. A empatia, o encorajamento, a escuta ativa e a busca por profissionais capacitados é o caminho que o Plenae acredita!

 

https://plenae.com/coloque-em-pratica/como-reconhecer-e-ajudar-uma-pessoa-com-dependencia-quimica/

Internação involuntária

Nenhum tratamento ou proposta de reabilitação para dependentes químicos tem o poder de garantir a abstinência às drogas ou ao álcool para sempre, mesmo que a pessoa esteja altamente motivada para tal.

O que existe, na realidade, são propostas diferentes de ajuda para que o usuário de drogas possa ter condições de escolher por um estilo melhor de vida, ao alcançar e manter a abstinência na rua. Isto é, nenhum tratamento tem o poder de fazer uma pessoa parar de usar, mas procura ensinar formas diferentes do” viver sem”. Neste sentido, mesmo o indivíduo sendo voluntário e estando motivado a participar de um programa de reabilitação, terá sempre que confrontar-se com as próprias limitações internas e externas definidas pela doença e seu contexto. Leia mais

Busca por excelência de resultados pode levar executivos à dependência química

A exigência pelo melhor desempenho possível no ambiente do trabalho pode levar tanto executivos quanto funcionários a buscarem formas de se manterem estimulados para exercerem suas funções. Os caminhos escolhidos em boa parte dos casos podem levar ao uso de antidepressivos, psicotrópicos, ao abuso do álcool e outros tipos de prazeres de forma compensatória como jogos, compras e até mesmo exercícios físicos. A afirmação é do psiquiatra e psicoterapeuta Cirilo Tissot, médico com mais de trinta anos de experiência no tratamento de compulsões, dependência química e outros vícios. Leia mais

Desafios da mulher na recuperação da dependência química

Ao contrário do pensamento arraigado nos meios de convívio social, os fatores predominantes para alguém se tornar dependente químico estão relacionados à genética. Cerca de 60% das situações de dependência química ocorrem a partir de uma pré-disposição genética, não necessariamente hereditária, que será desenvolvida a partir do uso e abuso de determinadas substâncias como álcool e drogas. Os demais casos, aproximadamente 40%, ocorrem por variados fatores sociais externos ao indivíduo que acredita nas drogas como única saída aos problemas do dia a dia. Mas após trinta anos de experiência com tratamentos de dependência química, vícios e outras compulsões, é importante compartilhar pontos de vista necessários para se lidar com tais questões de saúde. Leia mais

Quando a família determina o sucesso ou fracasso da terapia de drogas

A dependência química pode ser compreendida como uma doença na qual o indivíduo possui determinado grau de compulsão por determinada substância. Quadro no qual o usuário persiste no consumo da droga mesmo em face das conseqüências extremamente negativas para a pessoa e o paciente busca por formas de resistência que prejudicam a reabilitação. A compreensão destas situações justifica a busca duma perspectiva de eficácia para o tratamento da dependência química. Um objetivo que demanda o conhecimento sobre eventuais fatores que influenciam no sucesso ou fracasso dos cuidados médicos. Leia mais

Pais que definem limites e dizem “não” ajudam na prevenção do uso de drogas pelos filhos

O papel da família na prevenção do uso e abuso de drogas e álcool, bem como para a reabilitação de pacientes, é o tema apresentado pelo psiquiatra Cirilo Tissot em artigo na Gazeta do Povo, o maior e mais antigo jornal em circulação no Paraná.  Leia mais